sábado, 16 de julho de 2011

De tarde


A minha mãe havia saído e eu tinha alguma grana pra gastar.
O mercado ficava na mesma quadra em que eu morava, bastava virar a esquina e sem problema algum, arranjar uma bebida. Eu tinha grana, mas nem tanto, portanto me restava poucas opções. Vodka? Não. Pinga? Não. Conhaque? Hum. Pode ser. Hoje tá frio prá caraio mesmo.
A garota do caixa foi especialmente gentil. Pode ser por o gerente do mercado estar ali por perto. Mas foi sem efeito, o gerente pouco ligava pra qualquer um de nós, mas de qualquer forma aquilo me disse que o dia seria bom. Eu tinha uma garrafa de conhaque e toda uma tarde sozinho pra aproveitar.
Peguei uma xícara pesada, de porcelana, -vai durar mais o gelo. Pensei comigo, enchi de gelo, peguei a garrafa e fui pra sala. Liguei o som. Hoje me é impossível dizer o que estava ouvindo, assim como o foi no dia seguinte. Me sentindo muito adulto, do alto dos meus 16 anos, enchi a caneca de conhaque e comecei o ritual.
Naquela época eu fumava mas não tinha cigarros, e nem eles me faziam falta enquanto bebia. Bebia, ouvia a música, imaginava no que aquele dia ia terminar. Pensava com que cara eu iria chegar à noite encontrar a galera, iria chegar bêbado e eles iriam dizer: Pôrra cara! Já chegou moiado! Cadê o gole?

Então eu iria tirar a garrafa da mochila e todos iriam regojizar.
            Continuei bebendo, creio que eram umas 3:00 da tarde, já havia tomado quase metade da garrafa e me sentia especialmente feliz. Eu tinha que encontrar a galera pelas 6:00 e pouco. Era muito tempo pra eu suportar minha alegria sozinho. Então tive uma idéia! Vou indo de a pé e tomandinho um gole, chego no centro, e com certeza vai ter alguém disposto a  pagar um refri pra misturar nesse meio litro de conhaque.
            Fui, fazendo planos pra noite, em que encontraríamos garotas receptivas, dispostas a arranjar mais bebidas pra gente, e no que eu iria dizer pra impressioná-las, e em qual eu iria escolher pra passar uma noite agradavelmente sórdida, em que hora chegaria em casa no dia seguinte e na cara que faria pra minha mãe, quando chegasse. Uma cara de vagabundo barato, com meio sorriso e uma tarde inteira de sono regenerativo. Tudo fantasias de adolescente bêbado.
            Caminhava alegremente sonhador quando frente a um cemitério perto de casa vi um terreno baldio onde estavam algum andarilhos.
            Fabulei comigo: E se em vez de beber com aqueles trouxas, como sempre sem dinheiro, eu bebesse com esses, que realmente não têm dinheiro?
Entrei terreno baldio adentro por um carreiro que subia o barranco e acenei ao primeiro mendigo que estava sentado me olhando como se pensasse que eu irira os expulsar dali. Eu sabia que a minha entrada responderia por tudo o que iria acontecer dali em diante. Com um sorriso de caçador mostrando a presa mostrei a garrafa ao mendigo. Era meu melhor passaporte àquele mundo. A língua universal que nos unificaria.
O mendigo, ao ver a garrafa, mostrou seu melhor sorriso, mas eu não titubeei e segui adiante. Lembro de usar a garrafa a minha frente como se fosse um padre com um crucifixo entrando no quarto de alguma possuída. Mas eu sorria.
Disse como se fizesse parte do grupo: Trouxe um gole, vocês tão afim de tomar? Uníssono o sorriso.
Fui recebido como um príncipe, não fizeram questão de apresentar-se, ali não precisávamos de nenhuma formalidade. O conhaque nos identificava, e a intenção de bebê-lo nos unia. Me senti muito à vontade entre eles, digo que até cheguei a pensar que não era tão má a vida. Uma senhora muito idosa, saiu debaixo de um papelão e instantaneamente me adotou, a partir dali era seu “fiinho”. Estava a vontade, comecei a baixar a guarda.
Era toda uma turma alegremente dividindo uma garrafa de conhaque, parecíamos um bando de ciganos e eu estava disposto a voltar à Romênia e reinvidicar meu trono e fazer dessa galera meus guardas de honra e minha nobreza. Sorrisos desfalcados relampeavam facilmente, cortesias que eu nunca recebera entre os meus recebi ali.
De repente surge uma baixela prateada, minto, na verdade era uma lata de leite em pó. Mas dentro da baixela havia carne e gordura, e eles fritaram o sebo do boi num fogo entre dois tijolos, como se fosse uma iguaria dos césares.
Eu sabia que aquilo era o que eles tinham de melhor pra oferecer, me sentia honrado pela oferenda. Sabe-se lá de quanto álcool abriram mão pra comprar aquele sebo. Provavelmente a velhinha é que tinha pedido pra comprar sebo, que sabe antevendo a visita.
Enfim, todos alegremente rodando a garrafa, a velhinha arruma uma mesa com um pedaço de papelão mais duro e os tijolos da fogueira, e é servido o banquete: aperitivo de sebo frito na lata. Meu Deus, como fedia aquilo! Você pode achar que é preconceito, mas foda-se seu mundo politicamente correto. Vai dividir meia garrafa de conhaque com mendigos e volta pra me contar. Aquele cheiro de gordura fritando em banha vencida me vinha até o nariz e como um beliscão me impregnava as duas narinas. Filha da puta como fiz força pra não fazer cara de enjôo. Com todo aquele conhaque na barriga.
Eu, me sentindo um homem de verdade por estar bêbado e conseguir me controlar, disse, com a delicadeza que se deve ter com os andarilhos, que não aceitava o petisco por estar bebendo, e peguei a garrafa, e dei mais um trago, mas um trago majestoso pra provar o que eu estava dizendo. Todos riram e alguns mordiscavam, ou melhor, mascavam heroicamente seu sebo.
Em um momento de distração, (hoje acredito que um demônio simpatizou comigo frente ao cemitério) o vapor do álcool deu uma lufada mais forte na minha direção e eu tombei. Eu estava sentado em frente à baixela na mesa real e ao tombar meti os dois pés na távola de papelão.
O banquete foi ao chão. Silêncio desagradável. A velhinha, maternalmente me ajudou a sentar novamente no toco onde estava sentado. O dano não fora tão grande. Ela servilmente juntou os pedaços de couro de boi que estavam no chão, pegou a garrafa, deu um longo trago e serviu-se de um pedaço de sebo temperado com terra. Dei uma gargalhada que quebrou o silêncio, alguns riram, nem todos.
Na terceira vez que caí o mesmo tombo senti falta do braço materno da velhinha. Uma mão grossa, como nunca havia sentido e nem senti novamente até hoje, graças a Deus, entornou meu pescoço como uma morsa morna. Fui arrebatado do chão de uma forma monstruosa, lembro-me de pensar: tou fudido.
PIÁ! VOCÊ NÃO VAI FICAR AQUI TIRANDO ONDA.
Puta merda, eu realmente tava fudido. Agarrei aquele punho tosco, cabeludo, e tentei me desvencilhar. O ar que me restava no peito usei pra chingar: FILHADAPut... Vibrava golpes no ar enquanto a visão ia tomando um prateado fulgurante, as vozes foram ficando mais baixas, a minha resistência também.
VOCÊ VAI MATAR ELE!
Ah! A velhinha. Bondosa velhinha que me acolheu, devo-te a vida.
VSHBTRUMMM. O cara me jogou de cima pra baixo. O impacto foi impressionante, por sorte estávamos em um terreno baldio, se batesse daquele jeito no asfalto eu não teria nenhuma chance.
FIINHO, VAI EMBORA!
Quando me vi livre, ainda que no chão, num ímpeto saiu a cavalo da garganta: FILHADAPUTAAAAAAA!!! Não era o que eu queria dizer. Eu queria dizer me desculpe, vocês me receberam tão bem e eu chutei a merda do sebo três vezes, foda-se, vamos beber mais um gole.
Mas não pude dizer nada. O próprio cara que tava me fodendo me levantou do chão e me empurrava em direção ao carreiro pra que eu fosse embora. Eu não podia com aquilo! Pôrra, ou você bate ou não bate, frouxo! Um último argumento fez com que eu me desse por satisfeito e fosse embora, lembro de ver um objeto claro na mão de alguém perto, lembro de me virar pra ir embora ao ver o argumento, e lembro de ter recebido esse argumento debaixo da orelha.
Uma baita ripa. Assoviou e eu sabia que não era rápido o suficiente pra escapar. PúmTuiiiiiii.
Eu já tava bêbado mesmo, a tontura era natural, creio que escapei porque ao mesmo tempo que aquele demônio simpatizou comigo, meu anjo da guarda se ligou e veio me resgatar. Sei que consegui chegar em casa.
A partir daí, minha mãe me contou. Ela chegou do serviço, a casa estava toda aberta e parecia que um casal de rinoceronte havia feito sua lua de mel na cozinha. Eu estava letárgico no sofá da sala, com vários hematomas, inclusive uma impressão de ripa desenhada na face direita. O máximo que ela conseguiu arrancar de mim foram alguns resmungos e uma ida ao quarto pra continuar o sono.
Bem. Eu consegui uma ótima história. E nunca resgatei a carteira que perdi naquele acampamento.
Se fuderam! Eu não tinha mais dinheiro nenhum.

Chão de fábrica

Acorda
Viaja
Brinca
Veste
Corta
Afia
Corta

Almoça
Veste
Fuma
caga
Veste

Corta
Corta
Afia
Corta
Carrega
Ri
Mija
Corta
Afia
Briga
Corta
Assina
Veste
Viaja

Briga
Bebe
Corta

Reza
Enterra
Corta

Enterram
.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Gray

certa vez em uma madrugada incerta qualquer, um piá, ao ver-me beber disse:
-Quisera beber como você. Degustar o conhaque estalando a língua, sem distorcer a cara.

Não sabia a careta que trazia por dentro.

SOBRE A MÁGOA ALHEIA

Posso ver chorar alguém
e triste não estar também?
Posso ver o outro sofrer
e um consolo não trazer?

Posso ver correr o pranto
e não chorar o meu tanto?
Pode um pai ver seu rebento
chorar, sem sofrer tormento?

Pode a mãe sentar-se e ouvir
de medo um filho vagir?
Não, não pode ser assim,
nunca, nunca ser assim!

Pode Quem a tudo rira
ouvir gemer a corruíra,
ouvir gemer a avezinha
ou o infante que definha,

sem recobrir a ninhada
de uma piedade inflamada;
sem junto ao berço sentar-se
e todo em pranto inflamar-se;

sem se sentar noite e dia,
secando nossa agonia?
Oh, não pode ser assim!
Nunca, nunca ser assim!

Ele, que a alegria traz,
que infante também se faz;
que se torna homem de dor,
que sente nosso amargor.

Não há suspiro que dês
sem que o veja Quem te fez;
não há pranto derramado
sem que Ele esteja ao teu lado.

Oh! Que Ele dá sua alegria
e destrói nossa agonia.;
até que a dor vá embora,
fica ao nosso lado e chora.


William Blake – Canções da Inocência e da Experiência
http://www.arquivors.com/wblake1.pdf

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Murro

Uma vez tentei escrever uma música. O refrão era "golpe de direita", sem nenhuma conotação política, descrevia um murro.
Mas pôrra, nessa sociedade de bunda-moles pregadores da paz isso é antiético. Foda-se.
A vontade que tenho de fechar o punho como uma bigorna e derrubá-lo na cara de alguém é gritante.
As vezes estou conversando amistosamente com alguém enquanto vejo-me como um lenhador derrubando uma árvore, onomatopéicamente Páu! Vushhhhhh brummmmmm. AHHHHAHAHAHAHA.
Que gostoso! Os metacarpos em velocidade atingindo um maxilar desavisado, ou não. O estalar da cara oposta. Como um deslocamento de ar pode ser tão impressionantemente palatável? Sente o gosto alcalino na boca? Ou serei só eu? Olha a cara deformada pelo impacto, cômico, gostaria de assistir em super slow. E o tombo? As mãos postas a frente do corpo cadente! O quicar do corpo ao bater no chão.Ópera!
Mas tudo sem maldade nenhuma e sem intenção de luta pelo lugar de macho alfa, desgastante demais esse papel para vagabundos como eu.
É assim um golpe e um oferecer de mão prontas a levantar o caído e dividir uma cerveja, rindo.
E um estar pronto a ser golpeado também, já levei alguns murros e aprendi que quando você o vê vindo, o melhor é morder forte o maxilar e preparar-se para o impacto esperando não ficar tonto o suficiente para perder o foco.

crítica

no idílio, quando escrevi, achei que cairia bem aquele "Também" no primeiro verso.
Elemento dúbio, traria uma expectativa em relação a um passado não mencionado.
Exótico, criaria uma tensão entre o tempo presente do poema e algo apenas sugerido.
Mas acabou que esse "também" acaba não dizendo nada, não colabora no sentido do texto.
Infantil recurso desnecessário.
Mas não tenho coragem de suprimi-lo.
Seria como circuncidar o poema, pra torná-lo mais perfeito, mais próximo da perfeição.
como pretendo perder a pretensão literária, deixo-o estar.
Como um sexto dedo que serve de atração no bar.

sem preconceito mas não gosto de comunistas

Nada contra esse povo, mas os vejo como grandes beberrões chatos e sem dinheiro.

E filam cigarro ainda por cima!

enfim a verdade?

Lendo agora menos embriagado, percebo a extensão do lixo que produzo. Nada disso se parece com o que
pretendia. Leio apenas trejeitos afetados. Que bosta. Não pretendo que algum merchant encontre a pérola rara aqui. Na verdade espero, mas reconheço minha mediocridade e por isso digo que vou fugir de versos, e apenas me ater a episódios cotidianos sem pretensões crônicas, cronicamente inviáveis. (só agora percebo crônico com sentido relacionado ao tempo, sincrônico). Bonito termo: crônico.
Voltando ao que pretendia dizer, não espero que algum editor queira publicar esse sub-produto pós-moderno. (olha a excentricidade, excentricismo de saber escrever excêntrico). Recorrente essa afirmação, não? Freud explica, e até o Chaves quando afirma que cada um pensa no que lhe falta. (acertou quando falou que o seu Madruga pensava em dinheiro).
Então, que fique registrada a minha revolta contra esse sentimento mundano que é a vaidade.
Só pra confirmar o que afirmo de agora em diante só vou escrever merda, nada mais de lixo.

casamento

Dileta esposa,
reclamou que tinha quatro textos de video-game
e nenhum em vossa homenagem.
Portanto afirmo aqui que
lhe agradeço o papel de censora
me impedindo de escrever
algo de que se possa arrepender.
Digo-lhe que sempre está presente em meus pensamentos.
E agradeço a compreensão pelo humor
do seu dileto esposo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Idílio

É bonito o inverno, também.
Amarelo o quintal das  laranjeiras fecundas.

Depois da geada é que se deve colher a mexirica,
o azedo em mel transfigurado.
Incautos os afoitos,
para escaparem ao ridículo
colhida a fruta verde
lhe calam o azedo a  sal
e a tragam entre espasmos.

É bonito o inverno, também.
Enquanto os jovens praguejam contra o encontro baldado pela chuva,
nós, velhos melancólicos, nos damos à lembranças
e pintamos na tela cinza
as cores da primavera a vir.

mentirinha 2

eu só preciso chegar no save point.

Carta postada à professora por haver entregue o trabalho atrasado. Verdade.

Profe, que epopéia esse trabalho! Não comentando que a musa da paz doméstica ausentou-se lá de casa nessa última semana, o que por si gera dificuldades acadêmicas, ontem a noite fui assistir “Amor e Cia”.
Até então tudo bem, posto que fiquei até as 1:30 (atentando que acesso após a meia noite pois é de graça, relativamente) tentando achar um link que disponibilizasse o filme. Apenas links quebrados. O que fazer nessa altura de campeonato?
Baixei o livro “Alves e Cia”! Vamos a leitura. Por sorte livro altamente digerível e curto. E cômico, e adorável. Quisera dar um abraço no Godofredo e exaltar-lhe a virtude.
Feita a leitura, o desenvolvimento do trabalho deu-se facilmente, o texto palpitando na memória tornou tarefa agradável a comparação entre as duas obras.
Agora, só enviar e tarefa cumprida.
Quede-lhe o e-mail da profe!?
E dá-lhe procurar, ou melhor, tentar procurar,(pois o site tava bugado)
o e-mail da profe. Nada.
            4:30 da matina. Acho que não tinha mencionado que ao sair pra aula tinha atropelado minha gata. Complexo de culpa; preocupação; revolta; karma; fado, terrível fado. Respira!
            Amanhã envio esse trabalho.
            Hoje, tentei pelo MSN e novamente em vão a busca ao e-mail da profe. Tinha que ir até a universidade à tarde para fazer um prova em uma disciplina de dependência e então, enfim, no laboratório com uma colega consegui o bendito e-mail da profe. Aleluia.
            Faço prova, vou embora abaixo de chuva, e ansiosamente chego em casa pra enviar o trabalho.
            Acho que não tinha mencionado que eu acesso a internet pela 3g da TIM. Então...
            Estou desde as 4:00 da tarde tentando conexão. Escrevo esse texto mais pra desesstressar do que para justificar. Dentro desse vórtice de desencontros ainda mantenho o bom humor.
            Espero que o trabalho lhe agrade, e que saiba que, por mais WoodyAlanesco que possa parecer, tudo isso é verdade.




Terminei o texto e nada de conexão.
Bem cabia aqui um palavrão.

mentirinha

depois do próximo copo eu vou embora.

Video Game

Em alguma fase me perdi
entre samurais e frases pré concebidas
ou roubadas de um discurso interessante qualquer
o objetivo é passar de fase

Devezenco um brutallity
dá vontade de arrancar o coração
de mim ou de outro
contanto que passe de fase

terça-feira, 28 de junho de 2011

fogo fátuo

olhos que murmurejam
apenas sentem o frio
olha sua inutilidade

esse opus aprendido
carregar e descarregar-se
destilam o álcool armazenado
em fígado opilado

perderam sentido gotas cristalinas
propagandas o revelam
tal joão e o lobo
de nada lhe servirão
deixai-as cair

crying freeman
do frio sul
sem especialização em matar

deixai-as cair
quem sabe
bonificarão o réu
frente a juiz e advogado